quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Um Nó Górdio - Israel e Palestina

Por alguns dias, vários amigos me pediram para falar alguma coisa sobre o conflito na Faixa de Gaza. Eu vinha relutando em fazer isso, porque o objetivo inicial do blog era falar de assuntos que a grande mídia brasileira (e mundial) estava ignorando, ou trazer algumas informações novas que questionam a "verdade aceita" sobre a economia, a geopolítica, etc. Obviamente, a grande mídia não está ignorando o assunto, muito pelo contrário. E quanto a trazer informações novas, eu não estava acompanhando o assunto o suficiente para trazer um bom argumento, mas acho que encontrei um ângulo para abordar o assunto.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, na minha opnião, não existem heróis e vilões nessa história. Lado bom e lado ruim. Certos e errados. Por mais que pareça, isso também não é uma questão de Davi (os palestinos) versus Golias (Israel). A tendência natural de muita gente é a de torcer pelos palestinos porque eles são os "coitados" da história, os "underdog", como se diz. Isso, entretanto, me parece ser simplesmente um reflexo condicionado, ausente de maiores considerações, ou seja, uma desculpa para não encarar uma realidade bem mais feia e complicada. Uma outra ilusão muito comum entre o público é de que existe uma solução diplomática ou política para esse dilema, e que o problema é falta de "diálogo". Vou tentar demonstrar aqui que esse não é o caso.

Um pouco de história sempre ajuda. Parte da onda nacionalista que invadiu o mundo no século XIX acabou se manifestando como o movimento Sionista entre os judeus. Cansados do anti-semitismo na Europa, e seguindo a moda do século XIX de que toda "nação" deveria ter seu próprio Estado, judeus ricos e influentes na Europa e nos Estados Unidos começaram a se organizar para conseguir seu próprio país. Haviam propostas bastante esquisitas, como comprar algumas ilhas do Caribe, ou pedaços de algum país Sul-Americano para realocar os judeus, mas a corrente principal sempre foi a de reassentar os judeus na "Terra de Israel", revertendo a Diáspora que já tinha quase 2.000 anos, desde quando os romanos expulsaram todos os judeus da Palestina. Não havia nenhum motivo prático para isso. A Palestina era habitada principalmente por árabes sunitas (os palestinos) com minoras cristãs (de maioria ortodoxa) e xiitas. A muitos séculos que aquela região não era habitada por judeus em grandes números. Mas, obviamente, havia motivos simbólicos. Em grande parte, havia também motivos político-religiosos. O movimento Sionista era originalmente bastante diversificado, formado tanto por judeus ricos e intelectuais, tanto liberais quanto conservadores. Judeus nacionalistas, mas de matiz laico. Havia mesmo uma tendência socialista entre os Sionistas (que dariam origem ao movimento dos Kibbutz). Havia também um expressivo número de conservadores religiosos. O único jeito de aliar todas essas facções foi um apelo para o nacionalismo judaico via o Antigo Testamento, alegando que a "Terra de Israel" havia sido dada por graça divina para o povo judeu, e que portanto era justo formar um estado judaico ali. Para os nacionalistas laicos, tratava-se de reverter a Diáspora Judaica, causada pelo Império Romano. Para os socialistas, tratava-se de criar enclaves socialistas longe do anti-semitismo europeu. O que unia todos eles era esse apelo pela "Terra de Isreal". Incidentemente, as fronteiras desejadas para o Estado de Isreal foram tiradas também do Antigo Testamento, sendo basicamente as fronteiras do Reino de Salomão, o auge do estado judaico da Antiquidade. Isso será importante mais na frente.

Antes da Segunda Guerra Mundial, os judeus já estavam se deslocando para a palestina. Fundos foram coletados entre Sionistas europeus e norte-americanos para mandar famílias que desejassem se deslocar para a Palestina. As famílias recebiam dinheiro para comprar alguma terra e começar a povoar o lugar. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Palestina passou a ser um protetorado inglês, e foi criada uma agência para supervisionar a imigração judaica. Essa agência colocou cotas para a imigração, numa tentativa de balancear tanto a população judaica quanto a palestina. Isso não deu certo e os árabes palestinos começaram a atacar os assentamentos judeus. As tropas britânicas faziam o possível para não se meter nesses conflitos, o que fez com que os judeus organizassem a Haganah e a Etzel, duas milícias judaicas (uma de inspiração socialista, outra conservadora-nacionalista). Já nessa época esse conflitos eram bastante sangrentos, com crimes contra "civis" cometidos por ambos os lados. A partir dos anos 30, a imigração de judeus para a Palestina tornou-se uma torrente, com um grande número de refugiados que fugiam da Alemanha, Aústria, URSS e outros estados europeus em que o anti-semitismo estava em alta. Isso causou um sério conflito entre 1936-39 entre os palestinos e os judeus. Temendo afetar as relações entre a Grã-Bretanha e seus aliados árabes, que seriam necessários no caso de uma futura guerra (que estava se aproximando), o governo inglês resolveu criar uma comissão encarregada de dividir a Palestina entre uma região "judaica" e outra "muçulmana", ambas sob o controle final da Grã-Bretanha. Seria feita uma fronteira entre os dois novos territórios e as populações seriam movidas à força. Os judeus para o território judeu, os árabes para o território árabe. Isso nunca foi levado a cabo, porque durante a Segunda Guerra Mundial os ingleses, precisando do apoio árabe, resolveram restringir os direitos dos judeus na Palestina e impedir a imigração em massa.

A criação do estado judaico em si é bem confusa. Os ingleses sairam da região em 1947, uma resolução da ONU foi tomada, criando dois estados na região, um palestino e um judaico, mas tudo isso ficou em grande parte no papel, porque os países árabes declararam que não tolerariam a criação de um estado judaico na Terra Santa e que lutariam "até a morte" para impedir isso. Nos confusos anos do pós-guerra, os judeus da Palestina decretaram a criação do Estado de Israel em Maio de 1948, seguindo a resolução da ONU, e foram imediatamente reconhecidos pelos EUA, União Soviética e diversos países europeus. Imediatamente o novo estado se viu travando uma guerra contra a "Liga Árabe". Essa guerra também foi muito "suja", com atentados com bombas, milícias de ambos os lados matando civis em vilas, etc. Não havia praticamente exércitos formais, apenas as milícias judaicas, que haviam sido fundidas para criar as Forças Armadas de Israel, e os mau-treinados exércitos árabes (Síria, Iraque, Egito e Jordão, principalmente), apoiados pelas milícias locais, muitas vezes suplementadas por mercenários europeus, inclusive ex-soldados da SS. Cerca de 100 mil palestinos deixaram a região, em virtude do conflito. No fim das contas, os judeus foram mais organizados e mais aguerridos do que os palestinos e forçaram um cessar-fogo. O território ficou uma bagunça, com a Transjordânia controlado a região da Cisjordânia e parte de Jerusalém, os egipicios controlando a Faixa de Gaza e os sírios controlando parte da região do Mar da Galiléia, enquanto Israel controlava um núcleo junto ao mar e ao redor de Tel-Aviv e partes de Jerusalém. Após a paz, a imigração judaica para Israel retornou com força total. Em dez anos, a população pulou de 800 mil pessoas para 2 milhões. Nenhum dos lados estava feliz com essa fronteira.

Entre a década de 1940 e o fim da década de 1970, Israel lutaria em outras três guerras regulares contra seus vizinhos árabes, nas quais a supremacia das Forças Armadas Israelenses foi se consolidando cada vez mais. Em todos os conflitos, Israel saiu-se vitorioso contra inimigos mais numerosos e em todos eles Israel conquistou território, chegando bem perto de estabelecer as fronteiras do "Reino de Salomão", que falávamos acima. Depois da Guerra do Yom Kippur, os estados árabes basicamente desistiram de tentar destruir Israel e passaram a ignorar os israelenses o melhor que podiam ou, em alguns casos, até mesmo a travar relações diplomáticas. Enquanto Israel estava travando guerras regulares contra exércitos árabes, o país estava ganhando todas. Mas agora um novo panorama se formava, e as coisas ficam bem mais complicadas daqui pra frente. Em primeiro lugar, nessas guerras Israel anexou território habitado praticamente apenas por palestinos. Agora, Israel tinha uma significativa população muçulmana dentro de suas fronteiras. A Organização pela Libertação da Palestina (a OLP, de Arafat) nessa época era uma organização ilegal que praticava atos de terrorismo contra o governo de Israel, tais como atentados a bomba, assasinato de líderes políticos, sequestro de aviões da El-Al (as linhas áreas israelenses), etc. Por outro lado, os ultra-ortodoxos dentro de Israel começaram o movimento dos "assentamentos", em que eles basicamente iam transferindo famílias judias para dentro da Faixa de Gaza, a Cisjordânia e outras áreas palestinas, com o idéia clara de um dia deslocar todos os palestinos para fora de Israel e estabelecer um "Estado Judaico" puro em Israel. O foco agora deixou de ser guerras entre exércitos israelenses e árabes e passou a ser ações de terrorismo, ocupação de territórios e simples demografia.

A situação de Israel, no longo prazo, é desesperadora. A população palestina de Israel, bem como seus vizinhos árabes (especialmente os xiitas do sul do Líbano, que são quase todos membros do Hezbollah), cresce mais rapidamente do que a própria população judaica de Israel. De fato, se você contar todos os palestinos que moram dentro de Israel e nos campos de refugiados dos países vizinhos, provavelmente já existem mais palestinos do que Israelenses. Conceder plenos direitos de voto a esses palestinos dentro do estado de Israel significaria que, em um par de décadas, a maioria palestina contrololaria o país. Isso é inaceitável para Israel.

Uma solução seria criar o Estado Palestino tão falado, e mandar toda a população palestina para lá. Isso, porém, também parece ser irrealizável. Em primeiro lugar, porque os setores ultra-ortodoxos da população judaica não apoiariam tal movimento e eles estão crescendo cada vez mais dentro do cenário político israelense pelo mesmo motivo dos palestinos. A taxa de fertilidade das famílias ultra-conservadoras é de 7 crianças por cada mulher. Eles estão tornando-se a maioria dentro da população judaica de Israel. E são os mesmos que defendem os "assentamentos" e não querem nem saber de abandonar território. Por outro lado, existe um substancial número de muçulmanos dentro e fora de Israel que não querem nem ouvir falar na existência de Israel. Para o Hamas, o Hezbollah, a Síria e o Irã, Israel tem que deixar de existir e deve existir apenas um Estado Palestino. Nenhum dos lados vai ceder nessa questão, porque os anos de luta, de intifada, de atentados terroristas, de contra-ataques israelenses e tudo mais criaram um enorme grau de intolerância. Não estamos aqui lidando mais com países árabes. Os países árabes, em grande parte, estão preparados para aceitar a paz com Israel desde que a situação dos palestinos seja resolvida pela criação de um estado palestino. Mas a população, especialmente das áreas afetadas, não quer saber disso. Eles querem a cabeça de Israel. É por isso que o Hezbollah controla completamente o sul do Líbano e porque o Hamas ganhou as eleições palestinas e controla a Faixa de Gaza. Para uma quantidade substancial de palestinos, a paz não é uma opção. Eles lutarão até a morte para acabar com Israel.

Chegamos, finalmente ao atual estado de coisas. Israel está numa sinuca de bico. O governo não pode aparecer como fraco, porque os partidos ultra-ortodoxos estão crescendo. Eles não podem tolerar ataques de foguetes contra seu território. As chances de uma negociação para a criação do Estado Palestino são quase zero, visto que o Fatah (o partido do Arafat) não tem legitimidade junto aos palestinos e o Hamas não quer negociar. O Hamas, por outro lado, sabe que Israel não tem como destruir eles completamente. Eles vão continuar atacando para provocar Israel. Numa guerra de insurgência como essa, quanto mais você provoca o exército inimigo a bombardear a região, melhor. Para o Hamas, os civis palestinos sendo mortos na Faixa de Gaza são uma ótima notícia. Isso significa que muitos e muitos mais jovens vão odiar Israel e se juntar a eles. E ainda faz Israel aparecer mau na mídia internacional. Então, não há muito o que dizer sobre essa guerra. Os dois lados estão agindo por condicionamentos que eles praticamente não tem como quebrar. É tudo muito previsível. Israel tem que tentar acabar com o braço armado do Hamas por causa das eleições que vão acontecer em fevereiro por lá e não seria de se admirar que eles estejam se aproveitando dos últimos dias do governo Bush para fazer isso. No curto prazo, as noticias estão indicando que Israel deve parar com os ataques. A Faixa de Gaza vai voltar, de certa forma, ao status quo de anteriormente. O Hamas não deixou de existir, mas pode ser que o potencial armado deles fique abalado por alguns anos, que é o que importa para Israel no momento.

No médio e longo prazo, as opções para aquela região são todas horríveis. O Hezbollah e o Hamas devem continuar a crescer. Os ultra-ortodoxos judeus também. Nenhuma guerra convencional vai resolver aquele conflito. Os dois lados não vão querer negociar fronteiras. Outras ações desse tipo vão continuar acontecendo. Faz apenas 2 anos que Israel atacou a Faixa de Gaza da última vez (em 2006) e, naquela ocasião, o Hezbollah no Líbano também atacou e causou sérias baixas nas Forças Armadas Israelenses, o que é bastante preocupante para Israel. Pode-se esperar uma continuação dessa violência e sectarismo. Esses últimos conflitos, em 2006 e agora, também tem forçado a opinião pública dos países árabes no sentido de forças seus governos a tomar ações mais duras contra Israel. O Egito, o maior aliado árabe de Israel, está vendo protestos contra o governo por conta do conflito na Faixa de Gaza. Não seria de surpreender que regimes anti-israel tornem-se mais comuns no Oriente Médio. Aonde tudo isso vai dar, eu não sei, mas as perspectivas não são boas, para ninguém.

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